O filme Gravidade (não esqueça de conferir nossa crítica aqui), que estreou recentemente no Brasil, está reacendendo o debate sobre quão realista deve ser a ficção científica. E cientistas ouvidos pela BBC apontam erros e acertos dessa grande produção. CUIDADO, SE VOCÊ AINDA NÃO VIU O FILME, HÁ SPOILERS NA MATÉRIA!
Muitos críticos vêm elogiando a produção por sua precisão e verossimilhança científica, mas o renomado astrofísico Neil de Grasse Tyson, diretor do Hayden Planetarium do American Museum of Natural History, em Nova York, disse que o filme tem várias “falhas” científicas. Comecemos pelo cabelo de Sandra Bullock em Gravidade. Em gravidade zero, o cabelo de Bullock flutuaria livremente – o que não ocorre no filme. Também há problemas na forma como o espaço é representado. Em uma série de comentários publicados no Twitter, Tyson – que também declarou ter gostado muito do filme – destacou vários erros. Por exemplo, ele observou que o telescópio Hubble (que orbita 560 km acima do nível do mar), a Estação Espacial Internacional (400 km acima do nível do mar) e a estação espacial chinesa jamais poderiam ser vistas juntas. Além disso, a maioria dos satélites orbita do oeste para o leste. No filme, porém, destroços de satélites são vistos flutuando do leste para o oeste.
Aliás, uma pergunta que não quer calar: se a personagem de Bullock era médica, por que ela foi a escolhida para fazer reparos no Hubble? Não é preciso ser um especialista para perceber que isso não faz muito sentido na trama.
Outro erro seria que a mobilidade no espaço não é tão fácil. Garrett Reisman, ex-astronauta da NASA, escreveu um artigo completo para a revista Forbes em que mostra todos os pontos positivos e negativos que ele encontrou no filme. O primeiro aspecto que ele analisa (e que, para ele, é o maior erro do título) está em violações graves da física.
“Não há nenhuma maneira de ir pulando de uma espaçonave ou estação espacial para outra com tanta facilidade. É preciso uma enorme energia e planejamento cuidadoso para mudar as órbitas. Um ótimo exemplo é o que aconteceu na tragédia do Ônibus Espacial Columbia, em que, mesmo com um computador de voo, um tanque de propulsor cheio e centenas de pessoas em terra para apoiar, não havia nenhuma maneira de a equipe chegar em segurança na Estação Espacial Internacional.”
E para os perfeccionistas de plantão mais uma mancada seria a morte de George Clooney. Diversos especialistas estão chamando a morte do personagem de Clooney como a mais desnecessária do cinema. Para Reisman, isso demonstra bem alguns erros que o filme traz em relação ao comportamento dos astronautas. “Não havia absolutamente nenhuma razão para que Clooney se sacrificasse! Uma vez que Sandra o pegou, ele apenas ficaria flutuando lá. Apenas um pequeno puxão na corda já era o bastante para mandá-los de volta para a estação espacial.”
Mas nem só de erros vive Gravidade, temos alguns acertos bem bacanas no filme. A reprodução do ambiento no espaço foi correta segundo Garrett Reisman. Uma das coisas que mais chama a atenção no título é a forma como o 3D é utilizado para aumentar a proximidade com a realidade em um ambiente que é desconhecido para a maioria das pessoas.
Para ele, nenhuma outra obra de ficção chegou tão perto do que “Gravidade” consegue. “O filme faz um excelente trabalho de capturar o que é fazer uma caminhada espacial. (…) Depois de ter feito três caminhadas espaciais, posso dizer que tudo aquilo é legítimo”, diz o astronauta.
“O impacto visual de não ter nada além do vidro do seu capacete entre você e a Terra foi demonstrado perfeitamente — apesar de que a Terra aparece um pouco mais nítida e viva no filme do que na vida real. Além disso, no filme há quase sempre uma massa de terra interessante para olhar, quando na realidade você gasta a maior parte de seu tempo olhando para uma visão menos interessante do oceano”, complementa.
Neil deGrasse Tyson também comentou as cenas em sua página do Facebook. Segundo ele, o mais impressionante é a reprodução da mudança entre o dia e a noite em imagens vistas do espaço. O físico também aprovou a reprodução das auroras, fenômeno que é visível à distância. Além disso, Tyson também observou como os pontos de maior perfeição no filme “a magreza da atmosfera da Terra em relação ao tamanho da Terra” e “o céu estrelado que, embora um pouco forjado, capturou o alcance e equilíbrio de um verdadeiro céu noturno”.
Outro ponto de cuidado dos produtores foi na reprodução dos equipamentos espaciais. Para quem nunca foi treinado para ser um astronauta, qualquer coisa pode parecer real, mas Garrett Reisman diz que os detalhes são impressionantes e que “Gravidade” vai além de um simples “mix” de botões e painéis aleatórios.
“Quando a personagem de Sandra Bullock gira as duas válvulas para desligar o fluxo de oxigênio na Soyuz, são exatamente as duas válvulas corretas para isso. Quando ela quer comandar o motor de manobra orbital, o CKD, ela aperta o botão correto, e que também é rotulado corretamente. Os interiores da Soyuz e da Estação Espacial Internacional são muito realistas, embora os vários módulos não estejam na posição correta”.
Mais um ponto positivo no filme, segundo Neil deGrasse Tyson, está na reprodução de sons. Para ele, o filme chega próximo à perfeição ao mostrar a mudança de sons em ambientes diferentes. “A passagem do silêncio ao som entre uma câmara despressurizada e o ambiente pressurizado é perfeita.”
E para finalizar, todo o pânico que o filme causa nos espectadores com restos espaciais voando não é apenas um elemento a mais na trama, colocado para aumentar a tensão e dar motivos para tudo o que ocorre em seguida. Reisman conta que já passou por experiências aterrorizantes lá fora.
“Durante a minha primeira caminhada espacial, meu parceiro Rick tinha que retirar um identificador que estava na parte externa da estação. Quando voltamos para a nave, ele notou um buraco de cerca de um milímetro de diâmetro no aparelho, que foi feito por um minúsculo pedaço de detritos orbitais, feito de alumínio sólido. Ele olhou para mim e disse: ‘Se isso tivesse atingido um de nós …’ Não havia necessidade de terminar a frase, uma vez que tal evento teria sido instantaneamente fatal”.
É amigo, espaço não pra qualquer um não, se nem George Clooney dá conta, imagina o resto de nos, meros mortais?
Fonte: BBC e Forbes